Inspirada pela música Maneira Simples, de Almir Sater, que exalta a simplicidade e a harmonia com a natureza, a pecuária sustentável também se constrói por meio de decisões cuidadosas e rotineiras. Cada alteração no manejo do rebanho, na adoção de novas práticas ou no cuidado com os animais pode pavimentar o caminho para um futuro mais equilibrado e responsável.
Neste mês, na coluna Sustentabilidade Integral, vamos explorar como pequenas ações podem gerar grandes mudanças. Tecnologias sutis, a redução de gases de efeito estufa (GEE) e a integração de boas práticas podem moldar o amanhã da pecuária. Cada escolha, por menor que seja, tem o potencial de impactar tanto o presente quanto as gerações futuras, seguindo o ritmo natural da terra de forma simples e consciente. Além disso, vamos apresentar uma metodologia que permite avaliar a aplicação da agenda ESG nas fazendas, ajudando a mensurar o compromisso com a sustentabilidade em diversas dimensões. Vamos, também, conhecer algumas aplicações práticas desses conceitos na Fazenda Sertãozinho, de propriedade do agrônomo Andres Rojas, localizada em Virgínia (MG).
Tecnologias sutis
Antes de mergulharmos nos exemplos de inovações, é fundamental entender que a sutileza dessas soluções não está apenas em como operam de forma silenciosa e eficaz, mas, especialmente, em como são desenhadas para atender o produtor. Muitas vezes, o sucesso de uma tecnologia está menos na automação e mais em sua simplicidade e adaptação ao dia a dia no campo. Quando complexas demais ou exigentes em termos de conhecimento técnico, correm o risco de serem subutilizadas ou rejeitadas.
Portanto, as tecnologias sutis são aquelas que atuam em segundo plano e são, ao mesmo tempo, intuitivas e acessíveis, adaptando-se à realidade rural. Elas facilitam a rotina sem exigir uma curva de aprendizado longa ou complexa. O verdadeiro progresso está na capacidade de integrar o novo, respeitando o conhecimento prático acumulado, ampliando esse saber em vez de dificultá-lo. Essas ferramentas, ao respeitarem o ritmo da atividade leiteira, não apenas otimizam o trabalho, como garantem que o conhecimento tradicional continue sendo valorizado.
O VERDADEIRO PROGRESSO ESTÁ NA CAPACIDADE DE INTEGRAR O NOVO, RESPEITANDO O CONHECIMENTO PRÁTICO ACUMULADO, AMPLIANDO ESSE SABER EM VEZ DE DIFICULTÁ-LO
Nos últimos anos, a agropecuária tem se beneficiado de uma série de avanços que têm transformado a forma como os pecuaristas gerenciam seus negócios. Essas tecnologias sutis não causam revoluções dramáticas da noite para o dia, mas introduzem mudanças graduais que impactam positivamente o desempenho, reduzem o desperdício e maximizam o uso de recursos naturais, gerando efeitos positivos tanto no aspecto econômico quanto no ambiental. Ao integrar essas mudanças de forma paulatina, os produtores percebem melhorias contínuas, que acumulam resultados a longo prazo.
Pegada de carbono
Ferramentas como a PEC Calc têm se tornado populares no Brasil por permitirem o cálculo da pegada de carbono das propriedades rurais, ajudando os produtores a comparar suas emissões de gases de efeito estufa (GEE) com benchmarks regionais e a identificar áreas sensíveis. A calculadora se destaca por sua facilidade de uso, permitindo pausas no processo de análise e coleta de dados, o que facilita a implementação contínua sem interrupções nas atividades diárias da fazenda. O cálculo da pegada de carbono é um recurso essencial para que os produtores garantam a conformidade com as exigências globais, atuando na adequação às crescentes demandas dos consumidores por produtos de baixo impacto ambiental. Na Figura 1, vemos a pegada de carbono da Fazenda Sertãozinho.
O CÁLCULO DA PEGADA DE CARBONO É UM RECURSO ESSENCIAL PARA QUE OS PRODUTORES GARANTAM A CONFORMIDADE COM AS EXIGÊNCIAS GLOBAIS, ATUANDO NA ADEQUAÇÃO ÀS CRESCENTES DEMANDAS DOS CONSUMIDORES POR PRODUTOS DE BAIXO IMPACTO AMBIENTAL
Sensores e Inteligência Artificial (IA)
Enquanto a PEC Calc facilita a gestão ambiental, o uso de sensores e IA expande o controle sobre o bem-estar animal e sobre os processos. Sensores e sistemas de monitoramento remoto oferecem ao produtor uma visão em tempo real do estado de saúde do rebanho, bem como das condições ambientais. Quando esses dados são integrados à IA, o produtor pode tomar decisões antecipadamente, prevenindo problemas antes que se agravem. Na Figura 2, vemos o uso de colares para monitoramento do comportamento animal na Fazenda Sertãozinho.
Cultura do leite na fazenda
Tal como os sensores monitoram o rebanho em tempo real, a cultura do leite na fazenda assegura precisão na detecção de microrganismos causadores de mastite, permitindo respostas rápidas. Essa tecnologia proporciona diagnósticos ágeis, pela identificação do agente infeccioso diretamente na propriedade, e direciona o tratamento. Esse processo não só favorece o uso racional de antibióticos, prevenindo a resistência bacteriana, como promove uma abordagem mais segura, sustentável e econômica. Na Figura 3, vemos o laboratório de cultura na Fazenda Sertãozinho.
Nutrição de precisão
Seguindo a linha de otimização trazida pela cultura do leite e pelos sensores, os vagões de alimentação, equipados com balanças propiciam uma nutrição muito mais acurada. Esses equipamentos permitem a distribuição exata da alimentação do rebanho, ajustando as quantidades conforme as necessidades específicas de cada lote ou grupo de animais. Integrados a sistemas informatizados para automação, asseguram que a nutrição seja monitorada em tempo real, otimizando o uso de insumos e reduzindo desperdícios. Na Figura 4, vemos o uso da nutrição de precisão na Fazenda Sertãozinho.
Agricultura de precisão
A agricultura de precisão, em crescente adoção, potencializa o uso racional de insumos por meio de drones, sensores e GPS, otimizando a aplicação de fertilizantes, irrigação e outros itens críticos para a produção. Essa tecnologia permite mapear áreas agrícolas, garantindo que a distribuição de água e nutrientes seja feita de forma eficaz, evitando desperdícios. Na Figura 5, ilustramos o uso do GPS nas atividades agrícolas da Fazenda Sertãozinho.
Tecnologias e redução de emissões de GEE
A adoção de instrumentos como a PEC Calc, sensores com IA, nutrição e agricultura de precisão desempenha um papel fundamental na redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE). Cada uma dessas inovações aumenta a eficiência operacional, otimiza o uso de matérias-primas e favorece o manejo animal, podendo resultar em uma redução relevante do impacto ambiental.
Também permitem que os produtores estimem e diluam as emissões por unidade de produção ao aumentar a produtividade, potencializando o uso dos recursos. O uso de sistemas automatizados e o monitoramento em tempo real pode promover um ciclo virtuoso, voltado para a sustentabilidade, reforçando o compromisso com a pecuária de baixo carbono.
A implementação dessas tecnologias em propriedades como a Fazenda Sertãozinho mostra como a ciência pode transformar a gestão da produção, garantindo menores emissões por quilo de carne ou litro de leite produzido e alinhando-se às exigências globais por produtos de baixo impacto ambiental.
Sustentabilidade além dos GEE
Muitos dos exemplos citados contribuem para a mitigação das emissões de GEE, um componente crucial da sustentabilidade. No entanto, é importante ressaltar que a sustentabilidade integral envolve também questões sociais e de governança, além das questões ambientais.
O Dairy Sustainability Framework (DSF) é um dos principais referenciais globais para a sustentabilidade na pecuária leiteira e estabelece 11 critérios essenciais para garantir uma produção alinhada à Agenda ESG no longo prazo. Estes critérios abrangem desde o uso de recursos naturais até o bem-estar animal e a saúde do solo, fornecendo um guia abrangente para os produtores. (Tabela 1).
Tabela 1. Aspectos considerados nos 11 indicadores de sustentabilidade na pecuária leiteira (DSF)
Avaliando a sustentabilidade na pecuária
Para facilitar a adoção de práticas sustentáveis no dia a dia das fazendas, a startup ESGpec desenvolveu o ESG Farm Score (Figura 6), uma ferramenta inovadora que auxilia os pecuaristas a avaliar seus procedimentos com base nos critérios ESG (ambientais, sociais e de governança). O ESG Farm Score permite que os produtores identifiquem tanto os pontos fortes quanto as áreas que precisam de atenção em suas fazendas, ajudando-os a se alinhar às exigências globais.
Inspirado nos princípios do DSF, o ESG Farm Score oferece um sistema de pontuação claro e objetivo. Com ele, os pecuaristas podem visualizar quais áreas estão performando bem e quais precisam ser ajustadas. Entre os principais benefícios da ferramenta estão:
Diagnóstico abrangente: Avalia a operação de forma holística, considerando aspectos como uso dos recursos naturais, respeito às leis trabalhistas e segurança dos colaboradores e bem-estar animal.
Identificação de oportunidades de aprimoramento: Com base nas pontuações obtidas, os produtores conseguem identificar rapidamente as áreas que necessitam de ajustes, elaborar um plano de ação e implementar mudanças gradualmente, o que facilita a evolução contínua da fazenda.
Aumento da competitividade: Ao adotar práticas alinhadas aos critérios ESG, as fazendas se tornam mais competitivas e atraentes para compradores de leite locais e globais. No Brasil, onde há uma valorização crescente por produtos de origem responsável, as fazendas que integram práticas sustentáveis conseguem acessar novos nichos de mercado, incluindo cooperativas, redes de distribuição e consumidores que priorizam o impacto ambiental e social da produção.
Monitoramento contínuo: O ESG Farm Score permite que os pecuaristas acompanhem o progresso de suas operações ao longo do tempo, ajustando suas práticas, conforme necessário, para garantir que suas atividades permaneçam alinhadas às práticas globais de sustentabilidade.
Integrando os indicadores ao dia a dia da fazenda
Embora a adoção dos 11 indicadores de sustentabilidade e a implementação do ESG Farm Score possam parecer um desafio inicial, é fundamental lembrar que a sustentabilidade é construída de forma gradual, passo a passo. Pequenas mudanças, como o aperfeiçoamento na gestão da água ou a implementação de sistemas de monitoramento de emissões de GEE, já representam avanços significativos.
Com o suporte de ferramentas como o ESG Farm Score, os produtores conseguem diagnosticar e ajustar suas práticas, ao mesmo tempo em que se alinham às demandas ambientais e sociais globais. A transformação é facilitada pela priorização dos indicadores conforme o contexto da fazenda e do mercado em que está inserida. No caso da Fazenda Sertãozinho, para ilustrar uma possível priorização, foram selecionados 5 dos 11 indicadores macro, representados no gráfico 1.
Gráfico 1. Análise de desempenho por indicador de sustentabilidade da Fazenda Sertãozinho, representado pelo percentual em relação à pontuação máxima no quesito
Pequenas escolhas, grandes transformações
Cada decisão no campo pode ser o ponto de partida para a transformação. A construção de uma pecuária sustentável não depende de uma única mudança grandiosa, mas sim de pequenas resoluções cotidianas que, juntas, moldam o horizonte do setor. O equilíbrio se alcança por meio de práticas conscientes que respeitam a terra, os animais e as comunidades rurais.
O convite é claro: busque o caminho da sustentabilidade. Esse caminho vai além da redução de GEE. É uma jornada contínua de responsabilidade e progresso, promovendo inovação, respeito ao meio ambiente, bem-estar animal e qualidade de vida para as pessoas envolvidas. Dia após dia, construa o futuro da pecuária, de maneira simples, produtiva e equilibrada.
BRUNA SILPER
Médica veterinária, especialista em pecuária de
precisão e soluções sustentáveis, PhD em Ciência
Animal e produtora de leite em MG.
HELOISE DUARTE
Médica veterinária, especialista em Gestão
Agroindustrial e produtora de corte em MG.
LUIZ GUSTAVO PEREIRA
Médico veterinário, professor e pesquisador, Doutor
em Ciência Animal, especialista em nutrição e
sistemas regenerativos.