top of page

ALÉM DO HORIZONTE: UM NOVO CAMINHO PARA A PECUÁRIA

Bem-vindo à nova série “Sustentabilidade Integral”, que marca o início de uma parceria inovadora entre a Revista Leite Integral e a ESGpec.


Destaque

Com entusiasmo, inauguramos esta coluna para apresentar estudos de caso, análises e insights práticos sobre como o setor leiteiro pode avançar em direção a práticas mais sustentáveis e rentáveis. No artigo de estreia, “Além do horizonte: um novo caminho para a pecuária”, inspirado na canção eternizada por Roberto Carlos, exploramos a ideia de um futuro promissor em que sustentabilidade e produtividade caminham juntas. Assim como na música, que busca um lugar de paz e realização, nossa visão é a de um horizonte em que práticas inovadoras e regenerativas transformem a fazenda em um sistema equilibrado, integrado e biodiverso. Iniciamos descrevendo como a análise da pegada de carbono da Fazenda Brejo Alegre, ao longo de dois anos consecutivos, pode ser interpretada e utilizada para guiar essa transformação. Vamos além dos números, destacando como mudanças no manejo, em sintonia com o projeto ‘Despertar Regenerativo’, podem gerar impactos positivos.


Estudo de caso: Fazenda Brejo Alegre


Iniciemos com um estudo de caso prático que exemplifica essa transformação. Apresentamos os resultados e comparações dos cálculos da pegada de carbono do leite da Fazenda Brejo Alegre para os anos de 2022 e 2023 (Tabela 1). A fazenda, localizada em Itaúna/MG, tem um rebanho da raça Holandês criado em sistema Compost Barn. Os cálculos foram realizados com a calculadora PEC Calc, que utiliza a abordagem de ciclo de vida. Apesar do aumento significativo no número de animais e na produção total de leite, que resultou em um crescimento de 17% nas emissões totais, a pegada de carbono por kg de leite produzido foi reduzida em 8,3% (Tabela 1).


Embora as emissões totais tenham aumentado de 5.289 para 6.191 toneladas de CO2 eq, a emissão por quilo de leite corrigido para gordura e proteína diminuiu de 1,45 kg CO2 eq em 2022 para 1,33 kg CO2 eq em 2023. O aumento nas emissões totais se deve ao crescimento na produção de leite. No entanto, a melhoria na eficiência por litro de leite produzido já mostra impactos positivos. Em termos percentuais, a produção total de leite aumentou 27,8%, enquanto as emissões totais cresceram apenas 17% (Tabela 1).


Tabela 1

As principais fontes de gases de efeito estufa (GEE) estão relacionadas à alimentação e ao metano entérico, que juntas contribuem com mais de 90% das emissões totais, tanto em 2022 como em 2023 (Gráfico 1). Quanto à contribuição de cada categoria animal, a variação entre os dois anos foi relativamente pequena, já que o sistema de produção, as instalações e a alimentação permaneceram estáveis (Gráfico 2).


Gráfico 1

Gráfico 2

Mudanças na estrutura do rebanho e produtividade


Entre 2022 e 2023, houve um aumento no número de animais, na produção total de leite e na média de leite por vaca/dia. A produção total cresceu 27,8% em relação a 2022, resultado da combinação do aumento do percentual de vacas em lactação e da elevação da produtividade média, que foi de 7,7%. O aumento da produtividade por animal direcionou a redução na pegada de carbono.


Isso destaca a importância de otimizar a produtividade, respeitando as características de cada sistema de produção, o potencial genético dos rebanhos e a capacidade de investimento dos produtores. Na pecuária, a redução da pegada de carbono por litro de leite pode ser alcançada por meio da ‘diluição’ das emissões, que acontece quando a produção de leite aumenta sem a necessidade de expandir significativamente o rebanho. Isso significa que as emissões totais são diluídas em um volume maior de produção, resultando em menor emissão por unidade de produto. Em 2023, esse efeito foi evidente, reforçando a relevância de estratégias que aumentam a eficiência produtiva (Tabela 2).


Tabela 2

NA PECUÁRIA, A REDUÇÃO DA PEGADA DE CARBONO POR LITRO DE LEITE PODE SER ALCANÇADA POR MEIO DA ‘DILUIÇÃO’ DAS EMISSÕES, QUE ACONTECE QUANDO A PRODUÇÃO DE LEITE AUMENTA SEM A NECESSIDADE DE EXPANDIR SIGNIFICATIVAMENTE O REBANHO


A porcentagem de vacas lactantes em relação ao rebanho permaneceu em 39% nos dois períodos avaliados. A grande proporção de animais jovens contribui para as emissões, mas não para a produção, resultando em uma maior intensidade de emissões em comparação a um rebanho com maior proporção de animais adultos.


Estratégias de manejo


Entre os dois períodos avaliados, o manejo de dejetos permaneceu o mesmo, com o uso de compostagem e biodigestores que minimizam as emissões originadas pelos dejetos. As instalações da fazenda são do tipo Compost Barn para todos os animais do rebanho. Vacas lactantes, vacas secas e novilhas acima de 12 meses ficam em galpões cujas pistas de alimentação são limpas com flushing, utilizando água recirculada. Bezerras com até 12 meses ficam em Compost Barns com pista de alimentação limpa por raspagem, sem adição de água ao sistema. O esterco seco é armazenado e aplicado nas áreas de lavoura. Já o esterco líquido passa por um sistema de separação de sólidos, seguido por câmara de biodigestão que produz biogás convertido em eletricidade, e, em seguida, é armazenado em lagoa aberta para recirculação no sistema de limpeza das pistas e aplicação nas áreas de cultivo como fertilizante. A aplicação tanto do esterco seco quanto do líquido permite reduzir o uso de fertilizantes sintéticos e reincorporar matéria orgânica ao solo.


Instalações
Placas do de energia solar

Na área de energia e combustíveis, houve um aumento na capacidade de geração de energia solar, o que reduziu a demanda de energia da rede elétrica.


Também foi observado aumento no uso de combustíveis fósseis, coerente com a expansão das operações.


Estudos sobre economia de combustível, eficiência de máquinas e fontes alternativas de energia podem contribuir para reduzir a pegada de carbono associada a essas fontes.


Vale lembrar que as emissões oriundas de energia e combustíveis contribuem com menos de 2% do valor de pegada de carbono do leite.




Olhando para dentro e aproveitando as oportunidades: como contribuir para que o Brasil atinja as metas de redução do Pacto do Metano?


Variáveis de sustentabilidade permitem um olhar interno, sendo que a pegada de carbono é uma variável que acumula os erros e acertos no manejo da fazenda, podendo estar relacionada à qualidade do manejo e à longevidade da atividade. Olhar para dentro é uma oportunidade de melhoria contínua, focando no equilíbrio, na integração e na biodiversidade. Esses esforços, na Brejo Alegre, refletem-se na pegada de carbono do leite, que em 2023 foi reduzida para 1,33 kg de CO2 eq/kg FPCM, um resultado significativo em relação a 2022. Atitudes positivas diárias, refletidas em números, geralmente estão associadas ao bem-estar das pessoas e dos animais, à qualidade do leite, à satisfação dos empregados da fazenda e à conexão da fazenda com o ecossistema e a comunidade local.


Olhando para fora


Assim como é importante olhar para dentro, o benchmarking oferece uma visão externa essencial para contextualizar esses esforços. Para a pegada de carbono, valores abaixo de 1 kg CO2 eq/kg FPCM são considerados baixos, e entre 1 e 1,5 kg CO2 eq/kg FPCM, desejáveis. O IFCN (International Farm Comparison Network) monitora 157 fazendas distribuídas pelo mundo, indicando uma pegada média para Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai de 2,14 kg CO2 eq/ kg FPCM. Comparando com outras fazendas, a Brejo Alegre produz leite com uma pegada 60% inferior ao valor médio indicado pelo IFCN. Adicionalmente, é importante lembrar que a redução das emissões de gases de efeito estufa é uma prioridade global, com metas estabelecidas pelo Acordo de Paris para limitar o aquecimento global a 1,5 °C acima dos níveis préindustriais. Em 2021, foi assinado um acordo voluntário na COP26: o Compromisso Global do Metano, que estabelece o objetivo de reduzir as emissões de metano em 30% até 2030. Esse resultado deve ser alcançado como um esforço global, fruto de contribuições individuais.


A Fazenda Brejo Alegre, se continuar evoluindo como de 2022 para 2023, vai atingir uma redução de 30% na emissão de metano entérico dentro do prazo estabelecido pelo Pacto do Metano. Para isso, seria necessário mitigar 0,019 CO2 eq/kg FPCM, o que aconteceria antes de 2030. Confira os cálculos:


• Em 2022, a pegada de carbono foi de 1,45 kg de CO2 eq/kg FPCM, dos quais 0,43 kg de CO2 eq/kg FPCM estavam relacionados ao metano;

• Em 2023, a pegada de carbono foi de 1,33 kg de CO2 eq/kg FPCM, dos quais 0,39 kg de CO2 eq/kg FPCM estavam relacionados ao metano;

• Isso representou uma diminuição de 9% na emissão de metano entérico;

• Extrapolando com base nessa redução, em 2027, teríamos o valor de 0,27 kg de CO2 eq/kg FPCM relacionados ao metano, o que corresponderia a uma diminuição de 30%.


Apenas para exemplificar, a diminuição do metano pode ser obtida através de várias estratégias: aumento da produtividade média por animal, oferta de dietas balanceadas que aumentem a eficiência digestiva, seleção genética de vacas mais eficientes e com menor emissão de metano, e uso de aditivos redutores de metano na dieta.


A DIMINUIÇÃO DO METANO PODE SER OBTIDA ATRAVÉS DE VÁRIAS ESTRATÉGIAS: AUMENTO DA PRODUTIVIDADE MÉDIA POR ANIMAL, OFERTA DE DIETAS BALANCEADAS, SELEÇÃO GENÉTICA DE VACAS MAIS EFICIENTES E USO DE ADITIVOS REDUTORES DE METANO NA DIETA


Conclusão


É hora de refletir: estamos fazendo a nossa parte? No caso da Fazenda Brejo Alegre, sim! Ela aumentou a eficiência produtiva, resultando em uma redução expressiva na pegada de carbono. Além disso, comparada a outras fazendas, a Brejo Alegre apresenta uma pegada muito abaixo da média na América Latina e próxima à de fazendas eficientes nos Estados Unidos e na Europa. A fazenda pode ainda contribuir para que o país atinja as metas do Pacto do Metano. É possível aumentar o tamanho do rebanho e a produção de leite ao mesmo tempo em que se reduz a pegada de carbono.


Investimentos em fontes de energia alternativas, manejo de dejetos e eficiência alimentar são estratégias para a sustentabilidade da pecuária leiteira. Para esta fazenda, e para muitas outras com modelos semelhantes, a produtividade, a saúde dos animais, o manejo correto de dejetos e as práticas de agricultura regenerativa são aspectos cruciais para alcançar uma produção de leite de baixo carbono. Utilizando indicadores de sustentabilidade, como a pegada de carbono, gestores e consultores da fazenda podem elaborar um plano de ação regenerativo, que reduza as emissões de GEE. Com um compromisso contínuo com a sustentabilidade, cada fazenda pode contribuir para um futuro mais equilibrado e produtivo.



BRUNA SILPER

Médica veterinária, especialista em pecuária de

precisão e soluções sustentáveis, PhD em Ciência

Animal e produtora de leite em MG.

HELOISE DUARTE

Médica veterinária, especialista em Gestão

Agroindustrial e produtora de corte em MG.

LUIZ GUSTAVO PEREIRA

Médico veterinário, professor e pesquisador, Doutor

em Ciência Animal, especialista em nutrição e

sistemas regenerativos.


 

Sobre a ESGpec

A ESGpec é uma startup que surgiu com o propósito de integrar tecnologia e sustentabilidade no agronegócio, oferecendo ferramentas que ajudam os produtores a mensurar e melhorar sua performance ambiental. Seu portfólio inclui soluções como o PEC Scores e o PEC Calc, promovendo práticas regenerativas para um sistema de produção mais equilibrado e responsável.

 
Despertar Regenerativo

תגובות


bottom of page