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Mercado de Carbono na Pecuária Latino-americana

Em 23 de junho de 2025, o Global Dairy Platform (GDP), em parceria com o Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA), a Global Roundtable for Sustainable Beef (GRSB) e a Federación Panamericana de Lechería (FEPALE), realizou em San José (Costa Rica) o evento “Unlocking the Carbon Market Potential in the Livestock Sector in Latin America”. O objetivo central foi discutir como integrar os sistemas pecuários latino-americanos aos mercados de carbono, avaliando tamanho potencial, políticas públicas, mecanismos de financiamento e tecnologias de monitoramento.


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Importância dos Mercados de Carbono


Transformação econômica global

A implementação do Acordo de Paris está direcionando uma realocação de capital estimada em US$ 275 trilhões até 2050, de setores intensivos em emissões para atividades de baixa emissão. Esse movimento cria oportunidades para a pecuária, que pode reduzir emissões por unidade de alimento produzido e transformar pastagens em sumidouros de carbono.


Mecanismos do Artigo 6

O Artigo 6 do Acordo de Paris abriu espaço para trocas internacionais de carbono e reconheceu Soluções Baseadas na Natureza (NBS), como sequestro de carbono no solo. Especialistas destacaram a necessidade de uma abordagem de duas vias: geração de créditos para quem reduz emissões e valorização de produtores que já operam com baixo impacto.


Principais Temas e Desafios


Centralidade do produtor

Os palestrantes ressaltaram que a transição deve ser construída com os produtores. Políticas devem proteger os agricultores que já investiram em práticas sustentáveis e promover alinhamento pré-competitivo entre países, compartilhando ferramentas e conhecimentos.


Monitoramento, Relatório e Verificação (MRV)

A maior parte da pecuária latino-americana é extensiva e baseada em pastagens, o que torna as metodologias de MRV existentes pouco adequadas. Custos elevados, ausência de protocolos regionais e complexidade dos projetos dificultam a participação dos produtores. Sugere-se desenvolver plataformas digitais e protocolos de Nível 2/3 do IPCC para reduzir custos e simplificar a coleta de dados.


Lacunas de financiamento

Embora a pecuária responda por 30 a 40 % do PIB agrícola em vários países, menos de 2% do financiamento climático global vai para o setor. Investimentos de US$ 10 a 20 bilhões/ano são necessários para adaptar sistemas e reduzir emissões. Instrumentos de financiamento, garantias, crédito concessional e modelos de agregação foram apontados como ferramentas para destravar recursos.


Estudos de caso e iniciativas regionais


Projeto silvipastoril Hacienda San José (Colômbia)

  • Intensificação de pastagens pode reduzir emissões de 41,6 tCO₂e para 23 tCO₂e por tonelada de carne, permitindo atender o crescimento de 40% na demanda até 2050.

  • O projeto gera até 4 créditos de carbono por hectare/ano, o que representa 4,8 MtCO₂e ao longo de 20 anos.

  • A receita referente a créditos de carbono aumenta o retorno sobre o investimento de 3,5% para 6% (considerando US$ 20/tCO₂e).

  • Uso de sondas de solo e sensoriamento remoto para MRV de baixo custo.

  • Grama forrageira Urochloa humidicola demonstra alto potencial de sequestro de carbono no solo.


Programa GANSO (Colômbia)

  • Integração vertical da cadeia de carne, com rastreabilidade e incentivos de carbono.

  • Selo Aval GANSO engloba 56 práticas sustentáveis em cinco pilares; inclui manejo de pastagens, bem-estar animal e conservação ambiental.

  • Avanços até 2025: 18 oficinas, 229 fazendas atendidas (32.424 ha) e 23 fazendas certificadas (15.000 ha).

  • Utiliza metodologias Verra (VM0042 e VM0047) para manejo integrado de terras e reflorestamento.


Sustentabilidade na pecuária regional

  • A região abriga cerca de 400 milhões de cabeças de gado, representando 28% do rebanho mundial.

  • O setor responde por 46% do PIB agrícola e sustenta 64,5% da população rural.

  • Ainda faltam critérios uniformes para “pecuária sustentável” e indicadores de sustentabilidade regionais.


Políticas e regulação

  • Propostas incluem integração da pecuária nas NDCs, regulação de mercados voluntários e Artigo 6, salvaguardas e mecanismos de reclamação.

  • Incentivos financeiros e não-financeiros, reorientação de subsídios perversos e ferramentas de mitigação de risco (garantias, seguro, crédito concessional).

  • Países como Colômbia, Costa Rica, México e Brasil já adotam Ações de Mitigação Nacionalmente Apropriadas (NAMAs) ou programas de pecuária sustentável, como o Programa ABC de recuperação de pastagens no Brasil.


Tamanho e valor do mercado

  • Projeções apontam que o mercado de carbono para a produção de leite na América Latina poderá gerar 25 a 60 milhões de tCO₂e em créditos até 2030, equivalentes a até US$ 6 bilhões por ano.

  • Para a Argentina, o potencial varia de 0,8 a 3,2 milhões de tCO₂e, correspondendo a até US$ 317 milhões.


Recomendações

  1. Metodologias e MRV adaptados à região: investir em protocolos específicos para sistemas extensivos e em plataformas digitais de baixo custo para simplificar a coleta de dados.

  2. Instrumentos de financiamento inovadores: promover garantias, créditos concessionais, blended finance e programas de pagamento por resultados para atrair investidores.

  3. Políticas centradas no produtor: proteger pioneiros e pequenos produtores, criar modelos de agregação (cooperativas) e assegurar distribuição equitativa dos benefícios.

  4. Cooperação regional: desenvolver roteiro comum até 2025 para harmonizar protocolos de MRV, estratégias de financiamento e modelos de projeto replicáveis.

  5. Narrativa positiva e co-benefícios: comunicar que a pecuária é parte da solução climática, destacando benefícios socioeconômicos e ambientais para atrair apoio e financiamento.


Conclusão

O encontro “Unlocking the Carbon Market Potential in the Livestock Sector in Latin America” sinalizou um momento de virada para a pecuária da região. Com uma visão integrada, que engloba inovação tecnológica, financiamento, políticas públicas e inclusão social, é possível transformar sistemas de produção em soluções climáticas. Estudos de caso como o projeto Hacienda San José e iniciativas como o programa GANSO demonstram que é viável reduzir emissões, aumentar produtividade e melhorar a rentabilidade por meio de créditos de carbono. Para isso, será fundamental alinhar políticas nacionais, construir capacidades regionais e garantir que os produtores estejam no centro do processo.

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