Mercado de Carbono na Pecuária Latino-americana
- Equipe ESGpec
- 28 de jul.
- 4 min de leitura
Em 23 de junho de 2025, o Global Dairy Platform (GDP), em parceria com o Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA), a Global Roundtable for Sustainable Beef (GRSB) e a Federación Panamericana de Lechería (FEPALE), realizou em San José (Costa Rica) o evento “Unlocking the Carbon Market Potential in the Livestock Sector in Latin America”. O objetivo central foi discutir como integrar os sistemas pecuários latino-americanos aos mercados de carbono, avaliando tamanho potencial, políticas públicas, mecanismos de financiamento e tecnologias de monitoramento.

Importância dos Mercados de Carbono
Transformação econômica global
A implementação do Acordo de Paris está direcionando uma realocação de capital estimada em US$ 275 trilhões até 2050, de setores intensivos em emissões para atividades de baixa emissão. Esse movimento cria oportunidades para a pecuária, que pode reduzir emissões por unidade de alimento produzido e transformar pastagens em sumidouros de carbono.
Mecanismos do Artigo 6
O Artigo 6 do Acordo de Paris abriu espaço para trocas internacionais de carbono e reconheceu Soluções Baseadas na Natureza (NBS), como sequestro de carbono no solo. Especialistas destacaram a necessidade de uma abordagem de duas vias: geração de créditos para quem reduz emissões e valorização de produtores que já operam com baixo impacto.
Principais Temas e Desafios
Centralidade do produtor
Os palestrantes ressaltaram que a transição deve ser construída com os produtores. Políticas devem proteger os agricultores que já investiram em práticas sustentáveis e promover alinhamento pré-competitivo entre países, compartilhando ferramentas e conhecimentos.
Monitoramento, Relatório e Verificação (MRV)
A maior parte da pecuária latino-americana é extensiva e baseada em pastagens, o que torna as metodologias de MRV existentes pouco adequadas. Custos elevados, ausência de protocolos regionais e complexidade dos projetos dificultam a participação dos produtores. Sugere-se desenvolver plataformas digitais e protocolos de Nível 2/3 do IPCC para reduzir custos e simplificar a coleta de dados.
Lacunas de financiamento
Embora a pecuária responda por 30 a 40 % do PIB agrícola em vários países, menos de 2% do financiamento climático global vai para o setor. Investimentos de US$ 10 a 20 bilhões/ano são necessários para adaptar sistemas e reduzir emissões. Instrumentos de financiamento, garantias, crédito concessional e modelos de agregação foram apontados como ferramentas para destravar recursos.
Estudos de caso e iniciativas regionais
Projeto silvipastoril Hacienda San José (Colômbia)
Intensificação de pastagens pode reduzir emissões de 41,6 tCO₂e para 23 tCO₂e por tonelada de carne, permitindo atender o crescimento de 40% na demanda até 2050.
O projeto gera até 4 créditos de carbono por hectare/ano, o que representa 4,8 MtCO₂e ao longo de 20 anos.
A receita referente a créditos de carbono aumenta o retorno sobre o investimento de 3,5% para 6% (considerando US$ 20/tCO₂e).
Uso de sondas de solo e sensoriamento remoto para MRV de baixo custo.
Grama forrageira Urochloa humidicola demonstra alto potencial de sequestro de carbono no solo.
Programa GANSO (Colômbia)
Integração vertical da cadeia de carne, com rastreabilidade e incentivos de carbono.
Selo Aval GANSO engloba 56 práticas sustentáveis em cinco pilares; inclui manejo de pastagens, bem-estar animal e conservação ambiental.
Avanços até 2025: 18 oficinas, 229 fazendas atendidas (32.424 ha) e 23 fazendas certificadas (15.000 ha).
Utiliza metodologias Verra (VM0042 e VM0047) para manejo integrado de terras e reflorestamento.
Sustentabilidade na pecuária regional
A região abriga cerca de 400 milhões de cabeças de gado, representando 28% do rebanho mundial.
O setor responde por 46% do PIB agrícola e sustenta 64,5% da população rural.
Ainda faltam critérios uniformes para “pecuária sustentável” e indicadores de sustentabilidade regionais.
Políticas e regulação
Propostas incluem integração da pecuária nas NDCs, regulação de mercados voluntários e Artigo 6, salvaguardas e mecanismos de reclamação.
Incentivos financeiros e não-financeiros, reorientação de subsídios perversos e ferramentas de mitigação de risco (garantias, seguro, crédito concessional).
Países como Colômbia, Costa Rica, México e Brasil já adotam Ações de Mitigação Nacionalmente Apropriadas (NAMAs) ou programas de pecuária sustentável, como o Programa ABC de recuperação de pastagens no Brasil.
Tamanho e valor do mercado
Projeções apontam que o mercado de carbono para a produção de leite na América Latina poderá gerar 25 a 60 milhões de tCO₂e em créditos até 2030, equivalentes a até US$ 6 bilhões por ano.
Para a Argentina, o potencial varia de 0,8 a 3,2 milhões de tCO₂e, correspondendo a até US$ 317 milhões.
Recomendações
Metodologias e MRV adaptados à região: investir em protocolos específicos para sistemas extensivos e em plataformas digitais de baixo custo para simplificar a coleta de dados.
Instrumentos de financiamento inovadores: promover garantias, créditos concessionais, blended finance e programas de pagamento por resultados para atrair investidores.
Políticas centradas no produtor: proteger pioneiros e pequenos produtores, criar modelos de agregação (cooperativas) e assegurar distribuição equitativa dos benefícios.
Cooperação regional: desenvolver roteiro comum até 2025 para harmonizar protocolos de MRV, estratégias de financiamento e modelos de projeto replicáveis.
Narrativa positiva e co-benefícios: comunicar que a pecuária é parte da solução climática, destacando benefícios socioeconômicos e ambientais para atrair apoio e financiamento.
Conclusão
O encontro “Unlocking the Carbon Market Potential in the Livestock Sector in Latin America” sinalizou um momento de virada para a pecuária da região. Com uma visão integrada, que engloba inovação tecnológica, financiamento, políticas públicas e inclusão social, é possível transformar sistemas de produção em soluções climáticas. Estudos de caso como o projeto Hacienda San José e iniciativas como o programa GANSO demonstram que é viável reduzir emissões, aumentar produtividade e melhorar a rentabilidade por meio de créditos de carbono. Para isso, será fundamental alinhar políticas nacionais, construir capacidades regionais e garantir que os produtores estejam no centro do processo.