Metano na pecuária: Melhoramento genético é a chave ou apenas parte da solução?

A pecuária está no centro de um dos maiores desafios ambientais do planeta: as emissões de metano (CH₄). O gás, 28 vezes mais potente que o CO₂ no aquecimento global, coloca o setor pecuário sob pressão crescente para reduzir sua pegada climática.
No Brasil, a fermentação entérica dos bovinos responde por 91,6% das emissões agropecuárias de metano, totalizando 13,32 milhões de toneladas de CH₄ emitidas por ano[1]. Globalmente, a pecuária representa cerca de 32% das emissões antropogênicas de metano[2]. Diante desse cenário, a ciência busca soluções inovadoras - o melhoramento genético é uma das mais promissoras.
Na Escócia, uma bezerra chamada Hilda nasceu como um marco dessa estratégia: fruto de fertilização in vitro e seleção genética, ela faz parte de um experimento que promete reduzir as emissões bovinas em 30% nos próximos 20 anos[3]. Mas, diante da urgência climática, será essa uma solução eficaz e viável?
Melhoramento genético: Um grande avanço ou uma peça do quebra-cabeça?
A ideia central do melhoramento genético na pecuária é selecionar animais que convertam alimento com maior eficiência e, consequentemente, emitam menos metano. O professor Mike Coffey, do Scotland’s Rural College[4], explica que os programas tradicionais de melhoramento já vinham reduzindo as emissões bovinas em cerca de 1% ao ano, e que técnicas avançadas podem acelerar essa taxa para 1,5% anuais.
Isso significa que, ao longo de duas décadas, a redução de 30% na emissão de metano entérico pode ser alcançada. Mas há questões críticas que precisam ser consideradas:
Os números estão subestimados?
Estudos da Embrapa Gado de Leite[5] indicam que programas de melhoramento genético já reduziram a intensidade das emissões de metano entérico em até 38% em alguns programas de melhoramento de bovinos leiteiros ao longo de quatro décadas.
Isso sugere que as projeções de redução são próximas à reportada na Embrapa e que existe o potencial de ampliar a redução com foco em programas direcionados para redução da emissão.
O tempo a favor de fazer acontecer!
O IPCC alerta[6] que o corte de emissões de metano precisa ser acelerado até 2030 para conter o avanço do aquecimento global.
Reduções graduais de 1,5% ao ano podem ser insuficientes para atender às metas globais[6], especialmente considerando que a demanda por carne e laticínios continua crescendo.
Viabilidade econômica: Uma revolução para poucos?
O custo para produzir uma vaca geneticamente selecionada como Hilda foi o dobro do valor econômico do animal. O uso de fertilização in vitro (FIV) acelera o processo de seleção, pois permite escolher tanto a mãe quanto o pai, garantindo maior controle sobre as características genéticas desejadas.
No entanto, o melhoramento genético não depende exclusivamente da FIV. A inseminação artificial (IA), com sêmen de reprodutores geneticamente selecionados para as características desejadas, já possibilita avanços significativos na redução de emissões sem custos tão elevados. Além disso, a avaliação genômica das matrizes permite identificar as fêmeas com maior potencial genético, ampliando a eficiência da seleção sem necessidade de FIV.
Pequenos e médios produtores podem ter dificuldades para adotar tecnologias de reprodução mais avançadas, mas o uso de IA e a avaliação genômica tornam o melhoramento genético mais acessível. Para garantir ampla adoção dessas estratégias, políticas públicas e incentivos financeiros continuam sendo essenciais para viabilizar uma pecuária sustentável em larga escala.
Em um país como o Brasil, onde a média de produção por animal é baixa, o uso de genética melhorada para produção de leite, já disponível no mercado, tem grande potencial de efeito de diluição do metano entérico, superior até mesmo ao prometido pelos pesquisadores escoceses de 1,5% ao ano (CONGIO et al 2020).[novo 7]
Os riscos da seleção genética exclusiva para menor emissão de metano
Impacto na eficiência produtiva: A seleção de bovinos para menor emissão de metano deve ser feita com cautela, pois essa característica pode estar ligada a mudanças na microbiota ruminal e no metabolismo energético do animal. Estudos indicam que algumas linhagens com baixa produção de metano podem ter menor eficiência alimentar, impactando o ganho de peso e a conversão de nutrientes[8].
Equilíbrio genético: A produção de metano é uma característica poligênica, controlada por múltiplos genes e interações ambientais. Focar exclusivamente na redução de metano pode comprometer outros atributos essenciais, como fertilidade, longevidade e resistência a doenças.[9]
Monitoramento contínuo: Como a seleção genética para menor emissão de metano ainda está em fase de desenvolvimento, é fundamental um acompanhamento rigoroso para garantir que os avanços ambientais não resultem em perdas produtivas. Ferramentas como a avaliação genômica das matrizes e a análise multifatorial de desempenho são essenciais para manter um equilíbrio entre sustentabilidade e produtividade.
O melhoramento genético é a melhor estratégia?
Embora o melhoramento genético tenha um papel crucial, especialistas destacam que ele não pode atuar isoladamente. Outras soluções[10] têm demonstrado impacto imediato na redução das emissões:
Aditivos alimentares: O uso do composto 3-NOP (3-nitrooxipropanol) demonstrou reduzir as emissões de metano entérico em 23% a 37%, dependendo da dieta e da formulação utilizada [10,11].
Uso de algas vermelhas: A suplementação com a macroalga Asparagopsis taxiformis pode reduzir as emissões entéricas de metano em até 80%, devido à presença de compostos bioativos que inibem a atividade dos microrganismos metanogênicos no rúmen, mas a maioria dos produtos com base em algas ainda está em desenvolvimento
Aumento da eficiência produtiva: Melhorias na nutrição e manejo alimentar podem otimizar a digestibilidade dos alimentos e a conversão alimentar, reduzindo a intensidade das emissões de metano por litro de leite produzido.
Essas são apenas algumas das estratégias detalhadas no eBook ‘Desafios e Soluções para a Pecuária Sustentável’, que apresenta uma abordagem científica sobre a mitigação das emissões de metano na produção de leite. O material explora diferentes estratégias, incluindo nutrição, manejo, melhoramento genético e novas tecnologias, além de reunir dados sobre impacto e viabilidade dessas soluções. Para acessar o conteúdo completo, baixe gratuitamente o eBook pelo link: www.esgpec.com.br/ebook-metano. |
Conclusão: um passo necessário, mas não a solução final
O melhoramento genético oferece um caminho promissor para a redução das emissões de metano, mas sozinho não será suficiente.
A ciência já mostrou que múltiplas abordagens combinadas podem acelerar a redução do impacto climático da pecuária sem comprometer a produtividade. Para que isso aconteça, será fundamental investimento, políticas públicas e uma abordagem integrada, equilibrada e biodiversa.
A vaca do futuro pode já ter nascido – mas a pecuária sustentável dependerá de muito mais do que apenas a genética.
Referências e Notas:
[1] Emissões de metano na pecuária brasileira: De acordo com o relatório "Desafios e Oportunidades para Redução das Emissões de Metano" do SEEG, a atividade pecuária no Brasil é responsável por 91,6% das emissões do setor agropecuário, totalizando 13,32 milhões de toneladas de CH₄, principalmente devido à fermentação entérica do rebanho bovino. Fonte: SEEG - Relatório SEEG Metano
[2] Emissões globais de metano pela pecuária: Conforme o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), as emissões provenientes de animais, incluindo esterco e liberações gastroentéricas, correspondem a cerca de 32% das emissões antropogênicas de metano. Fonte: UNEP - Emissões de Metano e Mudança Climática
[3] Vaca Fertilizada In Vitro na Escócia e Redução de Metano: Relatório sobre o nascimento da bezerra Hilda na Escócia, fruto de fertilização in vitro e melhoramento genético para redução de emissões de metano. O estudo sugere que essa abordagem pode reduzir as emissões em até 30% nos próximos 20 anos. Fonte: EDairy News Brasil - Vaca Fertilizada In Vitro na Escócia Emite Menos Metano
[4] Professor Mike Coffey e o Melhoramento Genético: O professor Mike Coffey, do Scotland's Rural College, é reconhecido por suas pesquisas em melhoramento genético de gado leiteiro e identificação de objetivos de seleção que atendam a diversos stakeholders. Embora tenha contribuído significativamente para a pesquisa em melhoramento genético e redução de emissões de metano, as porcentagens específicas de redução anual podem variar dependendo de diversos fatores, incluindo a população animal estudada, as técnicas de melhoramento aplicadas e as condições ambientais. Fonte: Scotland's Rural College
[5] Pegada de carbono do leite e melhoramento genético: Estudo presente no Anuário Leite 2023 da Embrapa Gado de Leite, elaborado pelos especialistas Luiz Gustavo Ribeiro Pereira, Thierry Tomich e Vanessa Romário de Paula. Fonte: Embrapa - Pecuária Brasileira e Redução de Metano
[6] Relatório IPCC sobre Metano e Mudanças Climáticas: O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) enfatiza a necessidade de reduzir rapidamente as emissões de metano para limitar o aquecimento global a 1,5°C. De acordo com o relatório do Grupo de Trabalho III do IPCC, publicado em 2022, é necessário que as emissões globais de gases de efeito estufa atinjam o pico antes de 2025 e sejam reduzidas em 43% até 2030. Especificamente, as emissões de metano precisam ser reduzidas em cerca de um terço nesse mesmo período. Além disso, o relatório especial do IPCC sobre o aquecimento global de 1,5°C destaca que, para evitar ultrapassar esse limite, as emissões globais de gases de efeito estufa devem diminuir aproximadamente 45% em relação aos níveis de 2010 até 2030. Isso inclui reduções significativas nas emissões de metano. Fontes: Resumo para Formuladores de Políticas - Relatório IPCC 1.5°C e IPCC AR6 WGIII Press Release
[7] Melhoramento Genético e Redução da Pegada de Carbono na Pecuária: O artigo "O esforço do Brasil para reduzir a pegada de carbono da pecuária", publicado na Revista Pesquisa FAPESP, destaca como o aumento da produtividade animal pode reduzir a intensidade das emissões de metano entérico. O texto aborda o papel do melhoramento genético na pecuária leiteira como estratégia para mitigar emissões, diluindo o metano por litro de leite produzido. Essa abordagem reforça que, em países como o Brasil, onde a produtividade média por animal ainda é baixa, a adoção de genética melhorada pode superar a taxa de redução anual de 1,5% prevista por pesquisadores escoceses. Fonte: Revista Pesquisa FAPESP.
[8] Ferramentas Genéticas e Genômicas na Avaliação da Eficiência Alimentar de Bovinos de Corte: A Embrapa Pecuária Sul desenvolveu a Prova de Emissão de Gases (PEG) para identificar reprodutores que combinam menor emissão de metano com eficiência alimentar, reconhecendo a importância de equilibrar essas características para evitar comprometimentos na produtividade. Fonte: Documento 361 - Embrapa Pecuária Sul - Documento 361
[9] Equilíbrio Genético e Seleção para Baixa Emissão de Metano: A produção de metano é uma característica poligênica, controlada por múltiplos genes e interações ambientais. Estudos indicam que a seleção genética voltada exclusivamente para menor emissão de metano pode comprometer atributos essenciais, como fertilidade, longevidade e resistência a doenças. Portanto, recomenda-se que a seleção genética seja equilibrada e avaliada junto a outras características produtivas. Fonte: CABI Digital Library - Ferramentas Genéticas e Sustentabilidade
[10] Impacto do 3-NOP na Redução de Metano e suas Variações: O estudo, publicado na evista Microbiome, aprofunda os mecanismos bioquímicos que levam à redução das emissões de metano na pecuária leiteira por meio do uso de 3-nitrooxypropanol (3-NOP). Além de explorar as alterações no perfil de expressão gênica microbiana no rúmen das vacas, o trabalho destaca variações nas reduções de metano obtidas em diferentes estudos, citando valores que variam de 26 a 30% e 23 a 37%, dependendo da dieta e das condições do experimento. Essa variabilidade reforça a necessidade de avaliação contínua para otimizar a eficácia do 3-NOP em diferentes contextos de produção. Fonte: Microbiome - The effect of 3-nitrooxypropanol, a potent methane inhibitor, on ruminal microbial gene expression profiles in dairy cows
[11] Estratégias para Redução das Emissões de Metano na Produção de Leite: O eBook "Desafios e Soluções para a Pecuária Sustentável" apresenta uma abordagem detalhada sobre estratégias de mitigação das emissões de metano, incluindo o uso de aditivos alimentares, como o 3-NOP, suplementação com Asparagopsis taxiformis (redução de até 80%) e muito mais. Além desses tópicos, o material traz referências completas e aprofundadas sobre a temática. Fonte: ESGpec - Baixe o eBook aqui